Antes da ferrovia...
A ferrovia e a
ponte Florentino Avidos (inicialmente construída para passagem do trem
rumo ao norte do Estado e cujas obras tiveram início em abril de 1926 e
inaugurada em 1928) sempre foram pontos de referência em relação à
cidade que prosperava a olhos vistos ao lado do rio, sobretudo à sua
margem direita. Por muitos anos, porém, um outro ícone da história e do
desenvolvimento do município esteve ligado à navegação que se fazia
entre Colatina e a foz do Doce, em Regência Augusta, no município de
Linhares: o Vapor Juparanã, que era utilizado tanto para o transporte de
produtos diversos quanto de passageiros. Por isso, esta matéria
centrase nessa saudosa embarcação, que acabou abandonada à margem do
rio, sendo engolida pelas areias ao longo dos anos, sepultada nas
proximidades de onde está, hoje, o Ginásio Conde de Linhares. Alguns
moradores de Colatina, que viajaram pelo Doce a bordo do Vapor Juparanã,
também falam aqui dessa experiência de navegar por este rio, outrora
caudaloso. Para essa visita histórica aos tempos do vaporzinho,
recorremos às seguintes fontes: texto de José Tristão Fernandes, na
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Nº 61,
2007, e a obra da professora Maria Lúcia Grossi Zunti, “Panorama
Histórico de Linhares”, de 1982, ambos compilados por Walter de Aguiar
Filho.
O Vapor Juparanã.
Vapor Juparanã: navegação no rio Doce |
Um texto postado na internet (colatinabr.blogspot.com.br) por Julia
Vieira em 20/07/2011 informa que “em 1832 começou a navegação no Rio
Doce, com os vapores”. Embarcações diversas, como o Tupi, o Tamoio e
outras chegaram a deslizar pelo rio Doce, fazendo a ligação com o norte.
No entanto, navegaram pouco tempo, pois “em 1927, foi adquirido e
inaugurado pelo governador Florentino Avidos, o mais famoso desses
barcos, muitas vezes chamados de gaiolas [...]: o Juparanã”, afirma a
professora Maria Lúcia em seu livro. Segundo ela, “nos albores do século
XX, havia firmas organizadas navegando o rio Doce”. Sobre as
embarcações Tupi e Tamoio, José Tristão informa que há algum tempo ainda
se via, “nos barrancos de areia, em Colatina, numa ilhota abaixo da
ponte Florentino Avidos, o esqueleto do vapor Tamoio, ali deixado por
ter transportado dezenas de portadores de varíola preta (bexiga) que
ameaçava contaminar as populações. Sepultado, também, nos bancos de
areias, ali perto, está o vapor Tupi, que, como todos os barcos movidos a
caldeiras (lenha), teve o trágico fim: o fundo do rio”.
Acervo de Fotos do MuseuHistórico de Regência |
Quanto ao
Juparanã, “submergiu sob o peso das correntezas, tendo por testemunha a
garotada vadia, que assomava a sua chaminé como se fora um trampolim
parasaltos e mergulhos [...]. Melancólico fim, inglório epitáfio para
uma embarcação que por mais de cinco décadas prestou relevantes serviços
às populações ribeirinhas [...]”, comenta Tristão. Quando em plena
atividade, a navegação era algo trivial ao dia a dia dos habitantes da
época, conforme relata a professora Maria Lúcia, com base em anotações e
impressões de um turista espanhol chamado José Casais, sobre a viagem
que este fez pelo Rio Doce no Juparanã: “O Juparanã, encostado ao
barranco (em Colatina), espera o momento de partir. É o vapor que faz a
navegação entre Colatina e Regência. É o único e pertence ao Estado,
fazendo o trajeto duas vezes por semana: uma viagem de ida e outra de
volta. Às 8 horas da manhã, a sirena dá o último aviso. Subiram a bordo
os passageiros, Casais entre eles, e alguns caçadores. Ao sair, o barco
não desperta a curiosidade de ninguém em Colatina, pois é fato comum
para todos”.
Acervo de Fotos do MuseuHistórico de Regência |
Ainda conforme a mesma fonte, encontramos outras preciosas
informações no texto de Maria Lúcia: “Durante o percurso, o vapor parava
muitas vezes perto de algum barranco onde havia uma bandeira branca,
sinal certo que indicava a presença de passageiros ou cargas. Outras
vezes parava para se abastecer de lenha que alimentava a caldeira e
fazia girar as grandes rodas rodas em forma de pás que moviam o barco. Em Linhares, atracava tanto na
margem esquerda, no porto calçado de pedras, como na antiga Goitacases,
na margem direita.[...] O Juparanã tinha dois andares: na parte de cima havia ‘camarotes
pequenos, mas confortáveis’, um bar repleto de bebidas e serviam boas
refeições. Pelas palavras de Casais, calculamos que levaram dois dias e
meio, de Colatina a Regência. Acreditamos que a passagem do barco por
todo o curso, Colatina para baixo do rio, devia ser uma festa para os
moradores, pois trazia novos habitantes, amigos, parentes, conhecidos,
mercadorias necessárias e notícias.”
Acervo de Fotos do MuseuHistórico de Regência |
O comandante russo.
Pedro Epichin. |
O vapor Juparanã era comandado pelo russo Pedro Epichin. Conforme José
Tristão, a “tripulação era aguerrida, recrutada ali mesmo, entre os
caboclos das ensombradas dos cacaueiros e dos grandes jequitibás, pela
argúcia do comandante Pedro Epichin, (1890-1968), um russo branco de
velha têmpera, tão aventureiro quanto corajoso, que havia abandonado sua
terra natal, uma cidade do império dos Czares, assolado pela revolução
de 1917, vindo aportar em um navio russo no porto de Vitória. Era
engenheiro naval, e foi ter às oficinas da Vitória-Minas, em João Neiva.
Foi ali que o Governo realizador de Florentino Avidos o descobriu,
entregando-lhe a missão de montar as peças e erguer o maquinário de aço
importados dos estaleiros alemães, sob encomenda, vindo nos porões de um
cargueiro germânico”. Completando as informações sobre o comandante
Epichin, a professora Maria Lúcia Zunti, citando o Dr. Casais, diz: “O
Comandante Pedro Epichin, é tão inesquecível para aos passageiros do
Juparanã, como são as perpécias da viagem. Russo de origem, brasileiro
por temperamento e por lei, é obsequioso e desfaz-se em amabilidades
para com os turistas que vêm conhecer o rio, atendendo-os com a mesma
cordialidade como os receberia em sua própria casa. Na zona fluvial é
muito querido. Desde o rico fazendeiro ao mais humilde caboclo,
consideram o Epichin como um velho camarada”. E continua a professora:
“Na época da seca, o rio já ficava muito baixo e tinha-se que descobrir
os canais certos para navegar o barco e evitar que encalhasse nos bancos
de areia. ‘Epichin perscruta o canal com assombrosa perícia. Conhece,
pelo reflexo da luz na água, onde a profundidade é maior’. Mas o rio é
traiçoeiro e o barco encalhava várias vezes. Aí então havia alguns
marinheiros prontos para o árduo trabalho – movidos de grossos paus – de
deslocar lentamente o casco. Na viagem de Casais, já bem próximo da
foz, ele refere-se a um destes trabalhos, que durou ‘mais de 5 horas”.
Passageiros do vapor ainda vivem por aí muitos cidadãos e cidadãs que
viajaram no vaporzinho Juparanã que, inaugurado em 1927 e transportando
mercadorias e pessoas por cinco décadas estava, por certo, na ativa na
década de 1970. Uma dessas pessoas que ainda guarda na lembrança os
encantos da viagem que fez de Colatina a Linhares é a professora Ilaria
Rossi de Vasconcellos. “Lembro que foi uma viagem maravilhosa. Eu era
adolescente, tinha uns 16 anos, aluna do Conde de Linhares e viajamos
numa excursão, saindo de Colatina. O embarcadouro ficava perto da
escola. Fomos no convés do Vapor, sentindo o vento no rosto e toda a
emoção de navegar pela primeira vez. O rio ainda era caudaloso, as águas
límpidas e a paisagem em derredor era pura exuberância. Foi um passeio
inesquecível”.
Outra viajante dessa famosa embarcação é o contabilista
Telmo de Freitas Rossi, nascido em 1932. Lembra que a família tinha um
grande e bem sortido comércio às margens do Rio, onde é hoje a
comunidade de Bonicenha, perto de Patrão-Mor. “Eu era rapazola e fiz a
viagem de Colatina até o porto próximo ao comércio que tínhamos, onde
havia uma antiga cerâmica. Um comércio que tinha de tudo, de botão a
bicicleta, incluindo alimentos, ferramentas, sal, açúcar, querosene,
pólvora etc.”. Segundo Telmo, “era muito gostoso viajar no Vapor
escutando as pancadas do seu potente motor... E havia duas classes:
passageiros de primeira classe iam no andar de cima, os de segunda iam
embaixo”. E acrescenta: “Como o Juparanã transportava mercadorias e
passageiros, ia fazendo paradas de um lado e outro do rio, em pontos
determinados, até Regência...”.
FONTE: Folha do Norte
Um comentário:
Lamentável não terem preservado nossa história.naquele tempo os valores eram outros
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