Por Mathilde Golla. Fonte: Le Figaro, Paris
«Destruir o meio ambiente global, ameaçar
a segurança do planeta é uma violação dos direitos humanos fundamentais
e deve ser considerado como um dos crimes internacionais mais graves,
tal como o genocídio ou crimes contra a humanidade », informa Valérie
Cabanes, coautora de Crime Climatique, Stop! (Crime Climático, chega!) e
porta-voz de End Ecocide on Earth (movimento popular mundial
para proteção dos ecossistemas). Essa importante jurista francesa,
especializada em direito internacional, lança o apelo para que vários
países levem a proposta de emendas sobre o crime de ecocídio para Ban Ki
Moon, secrétário geral das Nações Unidas, durante a COP21 que terá
início no próximo dia 30 de novembro em Paris.
Na verdade, os crimes contra o planeta
estão se tornando a cada dia mais numerosos. Os profissionais do crime
organizado estão se voltando maciçamente para o meio ambiente para
encontrar novas fontes de rendas. Caçadores furtivos matam rinocerontes
em massa pelos seus chifres, e os elefantes, pelo seu marfim; o comércio
ilegal de espécies silvestres continua crescendo, assim como a pesca
ilegal ou o tráfico de resíduos tóxicos. A tal ponto que, agora, o crime
ambiental está classificado em quarto lugar mundial no que diz respeito
aos comércios ilegais depois dos narcóticos, das falsificações e do
tráfico de seres humanos.
Difíceis de serem avaliados, esses crimes
representam entre 70 e 213 bilhões de dólares por ano, de acordo com um
relatório publicado pela Interpol e pelo Programa das Nações
Unidas para o meio ambiente (PNUMA) em 2014. “Na Europa, sobretudo nos
países europeus mais desenvolvidos, como a França, as infrações
relativas à vida selvagem «aumentaram em mais de 40% entre 2011 e 2013»,
diz Laurent Neyret, professor de direito e autor do relatório «Des
écocrimes à l’écocide» (Dos ecocrimes ao ecocídio) entregue no início de
fevereiro ao Ministério da Justiça francês. As emissões de poluentes, o
depósito de lixo selvagem, a caça furtiva, os incêndios e queimadas, o
desmatamento ilegal, o abandono de destroços e o tráfico de espécies
protegidas representam as principais infrações.
Ameaça a comunidades e regiões inteiras
Além do aspecto financeiro, essas
infrações e a falta de respeito pelo planeta ameaçam a segurança das
comunidades e de regiões inteiras. A organização não governamental WWF
anunciou que a sobrepesca, a poluição, o desenvolvimento de áreas
urbanas nos litorais e o aquecimento dos mares causados pela mudança
climática levaram a um declínio de 49% das populações de animais
marinhos, peixes, aves, mamíferos e répteis entre 1970 e 2012. Ao mesmo
tempo, o Programa das Nações Unidas para o meio ambiente anunciou que
nos últimos três anos, 100 mil elefantes foram mortos na África
unicamente por suas presas de marfim, um verdadeiro recorde.
Crimes raramente são punidos
Na verdade, os crimes ambientais
raramente são punidos. Com exceção de alguns processos após
derramamentos de óleo – como os do Erika, do Amoco Cadiz ou do Prestige ,
as penalidades por deterioração ou pilhagem dos ecossistemas são quase
inexistentes. «Os lucros gerados por crimes ambientais são muito
elevados, enquanto os processos de acusação são raros e as sanções,
leves », explica Laurent Neyret. Assim, os malfeitores consideram que
sua assunção de riscos é fraca em relação aos lucros elevados.
Além disso, as multinacionais que poluem o
meio ambiente raramente são punidas. O exemplo da empresa petrolífera
americana Texaco, que operou no Equador entre 1964 e 1990, é prova
disso. A Texaco literalmente saqueou e destruiu a floresta onde explorou
uma centena de poços de petróleo: 60 bilhões de litros de água tóxica
foram despejados nos rios, 880 aterros de resíduos de hidrocarbonetos
foram abandonados a céu aberto, 650 mil barris de óleo foram deixados.
Em 1993, a empresa foi condenada a pagar 18 bilhões de dólares por um
tribunal equatoriano. Mas um julgamento americano cancelou essa
condenação e a empresa chegou ao ponto de solicitar um recurso junto ao
tribunal internacional de Haia… As vítimas, por seu lado, recorreram
junto ao Tribunal Penal Internacional
Um arsenal penal inadequado
O arsenal penal em vigor em diversas
partes do planeta é certamente inadequado para punir os ecocrimes. Na
França, por exemplo, o conceito de dano ecológico está sendo introduzido
no direito civil. A degradação de um ecossistema torna-se então um
prejuízo objetivo. Mas «ainda é muito cedo para saber se esse texto vai
realmente “facilitar” a reparação por danos ecológicos, diz o jurista
Arnaud Gossement. E, a nível internacional, «o crime ambiental é mal
identificado e tratado incorretamente do ponto de vista jurídico», diz
Laurent Neyret. «Uma legislação mais rigorosa e internacionalizada
parece eminentemente necessária», acrescenta Valérie Cabanes.
Em caso de ecocídio comprovado, as
vítimas teriam a possibilidade de um apelo internacional. Para atender a
essa exigência legal, Valérie Cabanes, porta-voz doEnd Ecocide on Earth indica
que uma «proposta de 17 emendas ao Estatuto do Tribunal Penal
Internacional, definindo e elevando o crime de ecocídio no ranking dos
crimes internacionais mais graves, tais como o crime de genocídio ou o
crime contra a humanidade, está sendo estudada por vários Estados». Com
este novo dispositivo, «em caso de ecocídio comprovado, as vítimas
teriam a possibilidade de um recurso internacional para obrigar os
autores do crime, na qualidade de pessoa jurídica, como uma empresa
transnacional ou na qualidade de pessoa física como presidente, diretor
geral ou chefe de Estado, a pagar por danos morais, físicos ou
econômicos. Haveria a possibilidade de pedir-lhes que restaurem o
ambiente natural danificado ou destruído, em nome do simples valor
ecológico. A responsabilidade dos superiores hierárquicos poderia ser
responsabilizada e penas de prisão poderiam ser pronunciadas », diz
ainda Valérie Cabanes. Estas emendas permitiriam também o reconhecimento
do estatuto de refugiados climáticos, acrescenta a jurista.
Entre 150 e 250 milhões de refugiados climáticos em 2050
Na verdade, a quantidade de pessoas
forçadas a mudar por causa das consequências das mudanças climáticas
está em ascensão constante. O exemplo de Tuvalu é evidente: o
arquipélago de 26 km², formado por 9 ilhas no Pacífico Sul, pode sumir
completamente sob as águas. O mar avança sobre o solo em cada maré alta e
os tuvaluanos não podem mais cultivar a terra, que se tornou
excessivamente salgada. E, com exceção da água da chuva, eles não têm
mais água potável disponível. Todos os poços foram contaminados. Os 11
mil moradores desse Estado estão prestes a se tornarem os primeiros
exilados climáticos do planeta, em escala nacional. Em Tuvalu, famílias
inteiras são obrigadas a fugir e elas exigem agora um estatuto especial,
o de refugiados climáticos.
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Valérie Cabanes indica que, atualmente,
vários Estados estão estudando o projeto de emenda: «End Ecocide on
Earth pediu para que eles levem simbolicamente o texto para Ban Ki-Moon
durante a COP21 no próximo mês de dezembro. Apenas um Estado é
suficiente para iniciar o processo de revisão do estatuto.»
Para que o texto seja adotado, é
necessário que o secretário geral das Nações Unidas convoque a
Assembleia dos Estados membros para deliberar. Dois terços dos países
devem então votar a emenda para que ela possa ser adotada. «Trata-se de
um cenário possível, pois, atualmente, a grande maioria dos Estados são
países em desenvolvimento, vítimas das consequências das mudanças
climáticas», conclui a jurista.
FONTE: BRASIL 247
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