Por Ádson Lima
Já imaginou morar no ponto mais alto da Grande Vitória, enfrentando o frio, raios, cobras, aranhas, o medo e a solidão?
Pois
é, isso não é só uma suposição. O ponto mais alto da Região Metropolitana da Grande Vitória já teve alguns habitantes
que, por conta do trabalho, vivenciaram uma experiência que é para poucos. O
local é o pico do Mestre Álvaro,
maciço que tem servido à navegação marítima há séculos, sendo considerado uma das maiores elevações litorâneas da costa brasileira e que abriga
uma das últimas áreas de Mata Atlântica de altitude do Espírito Santo, com cerca
de 833 metros de altitude, localizado no município da Serra.
O monte Mestre Álvaro Foto: Leonel Albuquerque |
Do
seu pico têm-se uma vista panorâmica de toda a região metropolitana e avista-se,
também, parte dos municípios de Santa Leopoldina, Fundão, Aracruz e Domingos
Martins, além de uma bela vista do oceano Atlântico.
O
Mestre Álvaro é citado em documentos
cartográficos do século XVI e possui um bosque rico em fauna e flora nativas, cachoeiras
e algumas cavernas.
Em 1991 foi transformado em Unidade de Conservação sendo criada a Área de Proteção Ambiental (APA) do Mestre Álvaro, pela Lei Estadual nº 4.507/1991. Sua gestão pertence, até o momento, ao Instituo de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (IDAF), que, junto com a Prefeitura da Serra discutem a sua cogestão, uma vez que trata-se de importante monumento ambiental, histórico, social e turístico para o município, conforme sinalizado na Agenda 21 municipal (fonte: Manual de Atendimento ao Turista - Sebrae).
Conhecido como “Senhor dos Caminhos”, Gesse Magnago ou Jazz Magnago, 34
anos, é um apaixonado pela natureza e dedica, até hoje, parte do seu tempo desbravando
o Mestre Álvaro e servindo de guia para grupos que desejam subir o monte. Jazz é Coordenador do grupo Guardiões
do Mestre e foi sua paixão pelo monte que abriu as portas para que vivenciasse essa experiência incrível:
habitar o pico do Mestre Álvaro como guardião das antenas de rádio, instaladas no topo.
Jazz ficou durante um ano na função (2007-2008), mais por amor ao Mestre do que pelo emprego, já que, segundo ele, o
salário e as condições de trabalho não compensavam.
Mas como
será viver no topo do Mestre Álvaro? Longe de tudo e de todos, enfrentando o
frio, as tempestades e os bichos? É isso que buscamos saber nessa entrevista,
concedida ontem (28).
A casa onde moravam. Foto: Guardiões do Mestre. |
Senhor dos Caminhos – Eu já frequentava o Mestre faz tempo. Uma época comecei a levar meu irmão
mais novo lá pra cima... tínhamos um grupo legal, passávamos semanas inteiras
acampados... Na ocasião já tinha o Zé, que era o funcionário mais antigo que
cuidava dos equipamentos. Um dia, quando estávamos acampados no mestre, ele
apareceu convidando para comermos uma feijoada... Ele ficava a semana inteira sozinho. A partir daí, já não usávamos
barracas. Levávamos carne fresca e verduras e ficávamos dias com ele. Com o
tempo conhecemos os outros funcionários, que revezavam com o Zé (semana sim, semana não)... as trocas aconteciam nas segundas-feiras. Foi aí que surgiu a oportunidade
de trabalharmos no local, eu e meu irmão, que ficou lá um ano a mais do que
eu.
Sítio Casarão – O que faziam lá, exatamente?
Senhor dos Caminhos – tínhamos que vigiar e reparar/trocar os equipamentos, em caso de defeitos. Mas era mais um bico do que um emprego, porque era difícil a
empresa conseguir alguém disposto a encarar o serviço. Além disso, as condições
de trabalho não eram boas e nem o salário. Mas gostávamos de ficar lá e ganhar,
pra isso. Era muito legal.
Sítio Casarão – Que tipo de equipamentos vigiavam?
Senhor dos Caminhos – De comunicação: receptores, baterias e as antenas de rádio transmissão da Vale, bombeiros,
guarda civil e de rádios de pescadores.
Sítio Casarão - Ficava sozinho?
Sítio Casarão - Não tinham medo?
Senhor dos Caminhos – Medo não. Mas perigo existia. Mas nada que incomodasse tanto (risos)
Sítio Casarão - Que tipo de perigos?
Senhor dos Caminhos – De ladrões, baderneiros e, principalmente, dos raios, que eram
assustadores.
Sítio Casarão - Era necessário algum conhecimento
especifico para o serviço?
Senhor dos Caminhos – Conheço um pouco de eletrônica, isso ajudou. Mas não exigiam conhecimentos.
Zé: morador mais antigo. Foto: Guardiões do Mestre. |
Sítio Casarão - O isolamento não
causava tédio, depressão?
Senhor dos Caminhos – Tédio rolou no início. Lá não tem nada para fazer. Com o tempo
começamos a perambular pelo Mestre, descobrindo nascentes e novas trilhas. Dai
pra frente virou costume subir na segunda-feira e passar a semana procurando
coisas legais. Foi nessas aventuras que eu virei o “Senhor dos Caminhos” (risos)
Sítio Casarão - Lá no topo não tem água, como
faziam para tomar banho, cozinhar...?
Senhor dos Caminhos – Em nossas andanças encontramos uma nascente bem próxima, que ajudou
muito no caso da água. Mas na seca tínhamos que descer até a metade do monte
para buscar nas cachoeiras. Não era fácil voltar com peso. Juntamos umas 100
garrafas pet, de dois litros, que serviam para armazenarmos cerca de 200 lts. de
água, para banho e cozinhar. Para beber, buscávamos água fresca todo dia, na
nascente.
Sítio Casarão - Quem levava suprimentos para
vocês (comida, remédios...)
Senhor dos Caminhos – Comida a empresa fornecia um pouco, toda semana. Mas em geral a gente
comprava e levava tudo nas costas, inclusive o gás. Quando acabava era difícil descer
com o botijão vazio e, pior ainda, subir com ele cheio. Já os remédios nós
brigávamos para receber, embora nunca tivessem fornecido. Nós mantínhamos por
conta própria uma farmacinha básica. Tudo lá era transportado no “lombo”. O
ruim era quando tinha equipamento para subir (painel solar, turbina e bateria).
Mas a empresa pagava um pessoal para ajudar no transporte.
Dentro da casa: condições precárias. Foto: Guardiões do Mestre. |
Sítio Casarão - Não tiveram problemas com picadas de
cobra, aranha...?
Senhor dos Caminhos – Nunca tivemos. Vira e mexe entrava um bicho e dava muito trabalho para
espantarmos. O Zé já foi surpreendido, acordando com uma jararaca na cabeça.
Sítio Casarão – E as mudanças
climáticas lá em cima, como enfrentavam?
Senhor dos Caminhos – Tínhamos colchonetes e cobertores bons, não sentíamos frio, embora
fizesse muito. O pior eram as tormentas elétricas, pois não podíamos sair por
causa dos raios. A ventania também incomodava muito. Tinha vez que o vento era tão
maluco que chovia de baixo para cima e as turbinas apontavam em direções
diferentes. Era o momento que, de fato, tínhamos medo. Mas uma coisa é certa: a
vista e a paz que o local proporciona compensavam todas as dificuldades, esforço, cansaço e
medo.
Subindo com os equipamentos. Foto: Guardiões do Mestre. |
Sítio Casarão – Algum episódio estranho ou
perigoso?
Senhor dos Caminhos – Tirando os raios, que assustavam, a gente não se arriscava tanto... Já estanho, tinha muitas coisas...
Sítio Casarão – Que tipo de coisas?
Senhor dos Caminhos – Barulhos desconhecidos, principalmente.
Sítio Casarão – Algum que tenha chamado mais a
atenção, despertado medo?
Senhor dos Caminhos – Muitos. Mas em geral sempre ficávamos assustados quando chegava gente
de madrugada, o barulho dos bichos e os barulhos não identificados, ambos assustam.
Mas os raios eram os mais temidos pois o barulho era assustador. Caiam nas torres. Imagina uma bobina da EDP Escelsa
carregando com aquele barulho, só que muito mais assustador e bem no seu teto
(risos)
Sítio Casarão – Vocês tinham TV, rádio, celular...
lá em cima?
Senhor dos Caminhos – Sim. Rádio, e a AM pega até três estações no mesmo canal. Já a FM pegava muito bem,
sinal limpo e a TV, uma beleza. Mas os equipamentos eram nossos, a empresa não
fornecia.
Sítio Casarão – Tinham alguma fonte geradora de
energia lá?
Senhor dos Caminhos – Painel solar aos montes e turbinas de vento. Tínhamos cerca de 20
baterias.
Uma das várias cachoeiras do Mestre - Foto: Guardiões do Mestre. |
Sítio Casarão – A empresa ainda mantém funcionários
lá em cima?
Senhor dos Caminhos – Ainda funciona tudo, mas não mora ninguém lá em cima. A segurança é
feita por câmeras e um funcionário, cá em baixo, monitorando tudo. Parece que a
empresa cansou de pagar indenização aos funcionários.
Sítio Casarão - Que tipo de animais a gente
encontra no Mestre?
Senhor dos Caminhos – Vamos começar pelos legais: veados, tem uma pequena população deles
lá em cima; cachorro do mato, mais para o lado de Pitanga (bairro localizado no pé do Mestre); o gataçu, maior felino
do Mestre que é do tamanho de um cachorro e muito fedorento; paca, tatu, irara,
lagartos, muitos pássaros como jacupemba, macuco, jaó... macacos, prego e
barbado (bugio)... e os temidos, como as cobras e as aranhas...
Sítio Casarão – grande parte desses animais não é fácil de ver... eles se mantém longe das trilhas?
Senhor dos Caminhos – Sim. Para chegar a ver algum desses só montando uma 'espera' e
ficando quieto. Subindo em grupo não rola porque eles assustam e fogem logo. Nas
trilhas só achamos lagartos e cobras, com sorte, macacos.
Sítio Casarão – Existe caça ilegal no Mestre?
Senhor dos Caminhos – Sim. Caçadores ainda rodam lá, Já encontramos muitas armadilhas, inclusive recentemente.
Sítio Casarão – Já foi proposto a construção de
um teleférico no Mestre, o que você acha disso?
Senhor dos Caminhos – Teleférico até que já pensei onde seria. Mas para se alcançar o topo,
teria que ser vários postos. Só discordo de tudo que seja construção permanente.
Tenho um acampamento de base, mais em baixo, feito com pedra amontoada e terra.
Acho que é o máximo que se pode fazer, sem alteração.
Sítio Casarão – Vocês já exploraram todo o monte?
Senhor dos Caminhos – Meu grupo, Guardiões do Mestre, está mapeando as trilhas existentes e
os cursos d'água. Descobrimos lugares espetaculares e isolados. Mas muita área
ainda é desconhecida, por ser de difícil acesso.
Nascentes: as fontes da vida! Foto: Guardiões do Mestre. |
Sítio Casarão – Quais a atrações,
no Mestre?
Senhor dos Caminhos – Eu recomendo: Três Marias e o Morro do Céu, muito legais e ainda preservados, fechado, mato quase intocado.
Sítio Casarão – E qual o seu lugar preferido, que
você recomendaria aos turistas e visitante?
Senhor dos Caminhos – Mais bonito eu afirmo que é o local onde temos o acampamento base, que
só conhece quem levamos (risos)
Sítio Casarão – O que tem de especial nele?
Senhor dos Caminhos – No nosso acampamento tem a cachoeira mais limpa do monte, já que não tem
gente andando por lá e o nosso vale fica bem distante das trilhas principais.
Sítio Casarão – Existem outros guias e grupos que trabalham no Mestre. Vocês recebem alguma ajuda de custo da APA do Mestre Álvaro?
Senhor dos Caminhos – Nada! Gostaríamos mesmo de
saber a que passo anda isso. Minha intenção é mapear tudo que der e fazer um
trabalho completo e correto para a administração pública. Já vi o material oficial do Iema (Instituto Estadual de Meio Ambiente), com um mapeamento bem inferior ao
nosso e incompleto. O que eu
já fiz sozinho tem mais informações e precisão do que esse, que devem ter pago uma fortuna e não tem qualidade e precisão. Lugares
de difícil acesso, que nós conhecemos bem, estão equivocados no mapa oficial,
do Iema.
Vista parcial do topo - Foto: Guardiões do Mestre. |
Senhor dos Caminhos – Conheço gente que tem contato coma gestão da APA, mas ninguém acredita muito na
gestão... Não existe nada concreto, para o Mestre. Se algum recurso do Estado
sai para a APA do Mestre Àlvaro, não creio que chega lá...
Sítio Casarão – Quem desejar te
contratar como guia, como te encontrar?
Senhor dos Caminhos – Por
telefone, podem ligar para (27) 99622 3637. Temos um diferencial: não subimos
pelas trilhas principais, buscamos as trilhas onde a paisagem é mais bonita e a
natureza mais presente e subimos em qualquer horário (dia ou noite).
Sítio Casarão – Hoje você só trabalha como guia
ou exerce outra atividade?
Senhor dos Caminhos – Tenho emprego fixo. Mas vou sempre ao Mestre, chova ou faça sol. Hoje estou casado e minha esposa também gosta muito do Mestre. Ela não conhecia e se
apaixonou quando a levei... agora sobe até sozinha (risos)
Sítio Casarão – O que o Mestre significa para
você?
O Senhor dos caminhos: "sou menino do
Mestre e não abro mão desse canto".
Foto Guardiões do Mestre.
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Senhor dos Caminhos – Sim. Tem uma galera de gente boa. O Bismarck é
parceiro dos melhores, o Márcio, Vitor, Patrick... tem a galera do GPAMA (Grupo de Proteção
Ambiental Mestre Álvaro) que também fazem um trabalho super legal e um grupo
novo, o AVES
(Aventureiros do ES)... São grupos e indivíduos
que defendem e contribuem com a preservação do Mestre Álvaro.
Sítio Casarão – Gostaria de fazer alguma
consideração em relação ao Mestre Álvaro, aos visitantes ou aos órgãos públicos?
Senhor dos Caminhos – Gostaria sim, mas o palavreado não sairia legal (risos)
Sítio Casarão – Sinta-se a vontade... Filtraremos
os palavrões (risos)
Senhor dos Caminhos – É muito tempo sem ver nada útil
na região do Mestre que são muitas as insatisfações... Para os visitantes: que
levem muita água (no mínimo 2 litros) e não deixem sujeira no monte. Levou,
traga de volta! Para os governantes: tomem vergonha e cuidem do Mestre. Nas
trilhas encontramos muito lixo, e, num futuro próximo teremos só pedreiras e
não o monte. Faltam também projetos e a UFES (Universidade Federal do Espírito
Santo) sei lá, é a Universidade que temos e nem os formandos de geografia fazem
pesquisa lá. Aprendi muito com grupos de geógrafos que guiei no Mestre e eles
reclamaram bastante da falta de incentivo. Sinto a necessidade de obter mais
conhecimento, principalmente sobre a vegetação, para explicar melhor aos
visitantes.
Jazz Magnago, o Senhor dos Caminhos (esquerda) e seu irmão Orlando, no acampamento. |
2 comentários:
Poxa amo o Mestre Alvaro. Acampei muito la
Casado kkkkkkk sei
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