Ilustração: Weberson Santiago |
REVISTA ROLLING STONE - Edição 7 - Abril de 2007
Qualquer semelhança com a situação atual é méra falcatrua politica!
Donos de TVs e rádios, parlamentares desrespeitam a constituição
Pelo menos 80 parlamentares são donos de concessões públicas de rádio e TV, contrariando a Constituição. Como?
por André Deak e Daniel Merli
Nas últimas semanas, veio à tona um debate sobre a
possibilidade de o governo criar uma rede pública de televisão, com
conteúdo independente das influências políticas da vez. A discussão se
dá também em torno da proposta de uma rede do Poder Executivo, algo que
seria como uma Voz do Brasil 24 horas por dia no ar, não no rádio, mas
em um canal de TV. Nada se falou, no entanto, sobre uma outra rede de
emissoras de rádio e TV já existente, presente praticamente em todo o
país, interligada por um fator comum: são de propriedade de políticos,
muitos deles parlamentares da atual legislatura.
De acordo com o mais recente levantamento, divulgado no final do ano
passado, pelo menos um terço dos 81 senadores e mais de 10% dos 513
deputados federais controlam canais de rádio ou televisão. Isso poderia
ser apenas uma razão de desconfiança, pela possibilidade de uso político
da comunicação, se não estivesse escrito na Constituição que é
proibido. O Artigo 54 afirma que deputados e senadores, a partir do
momento em que tomam posse, não podem "firmar ou manter contrato" ou
"aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado" em empresa
concessionária de serviço público. Rádios e televisões são justamente
isso: recebem a concessão de uso de uma faixa do espectro
eletromagnético por onde transmitem sua programação. Espectro esse que é
público, finito e, por isso, regulado pelo Estado. A primeira linha do
artigo seguinte da Constituição, de número 55, diz: "Perderá o mandato o
deputado ou senador que infringir qualquer das proibições estabelecidas
no artigo anterior".
São 27 senadores e 53 deputados sócios ou parentes de proprietários
de empresas de comunicação concessionárias de serviço público. Esses
parlamentares foram rastreados em um cruzamento de dados realizado pela
Agência Repórter Social. As bases de dados foram as declarações
prestadas pelos próprios parlamentares aos Tribunais Regionais
Eleitorais (TREs), a pesquisa do Instituto de Estudos e Pesquisas em
Comunicação (Epcom), do Rio Grande do Sul, que divulgou uma lista de
senadores com parentes donos de emissoras, e uma lista divulgada em 2005
pelo sociólogo e doutor em Comunicações da Universidade de Brasília
(UnB), Venício de Lima, de deputados que têm os nomes entre os sócios de
concessionárias, em uma listagem divulgada então pelo Ministério das
Comunicações - que não está mais no site do governo.
Além desses 80 parlamentares, entretanto, muitos outros podem dirigir
veículos de comunicação sem que a sociedade saiba. A dificuldade para
descobrir, com precisão, quantos deles têm concessões, é grande. Não há
uma lista pública atualizada com os nomes dos sócios proprietários de
rádios e televisões. E, mesmo que houvesse, muitos parlamentares colocam
as empresas em nome de laranjas, às vezes sem parentesco algum.
Como é que pode?, perguntaria o leitor mais curioso. O uso político
das concessões não é recente. O livro Vozes da Democracia - Histórias da
Comunicação na Redemocratização do Brasil, escrito por 32 jornalistas
de várias partes do país, conta que, "no final do governo Figueiredo
(1979-1985), houve um número excessivo de concessões de canais de rádio e
TV em um curto período. Somente nos últimos dois meses e meio do
governo do general Figueiredo houve 91 decretos de concessões. Quase o
mesmo número de todo o ano anterior (99 decretos) e mais que o total de
1983 (80 decretos). Entre os privilegiados, as redes de televisão
Bandeirantes e SBT".
Venício de Lima diz que "até a Constituição de 1988 o direito de
outorga era exclusivo do Poder Executivo. O processo começava no
Ministério das Comunicações, que emitia um ato de outorga, que depois
era enviado diretamente ao presidente da República, que assinava".
Depois de 88, por uma reivindicação liderada pela Federação Nacional dos
Jornalistas, o poder de outorga passou a ser compartilhado pela União
com o Poder Legislativo. Ou seja, o processo de concessão, hoje, "começa
no ministério, vai para a Secretaria de Relações Institucionais, depois
vai para o Congresso. Na Câmara, entra na Comissão de Ciência,
Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), e de lá vai para a
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que tem poder terminal sobre a
confirmação da outorga. Por lá, passam todos os processos". Depois da
Câmara, o processo ainda segue para o Senado, onde passa por comissões
similares, para só depois receber a autorização de funcionamento. Isso,
para rádios comerciais; comunitárias, educativas e TV a cabo seguem por
outros caminhos. Uma rádio recebe concessão para atuar por dez anos; uma
TV, por 15.
Com todos esses processos e burocracia, alguém poderia até imaginar
que cada concessão é investigada a fundo. Até dezembro do ano passado,
entretanto, jamais um pedido de renovação de concessão ou outorga havia
sido sequer questionado. Pela primeira vez na história, então, 83 foram
rejeitadas. O que não quer dizer que os pedidos não serão aceitos - eles
apenas foram rejeitados na comissão. Ainda precisam ser analisados pela
CCJ da Câmara. Depois, seguirão para votação em plenário. Para a
rejeição definitiva, serão necessários os votos de dois quintos dos 513
deputados - a aprovação ocorre por maioria simples.
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